terça-feira, 26 de março de 2013

O Crepúsculo do feminismo

revistadehistoria 

Sucesso entre o público jovem, filme consolida a destruição da imagem assustadora do vampiro e ainda nega o legado do movimento feminista ao construir protagonista indefesa, apática e submissa

Alexandre Enrique Leitão
Eu odeio ouvir você falar sobre todas as mulheres 
como se elas fossem damas ao invés de criaturas racionais. 
Nenhuma de nós quer estar em águas calmas por toda a nossa vida. 
 Jane Austen em Persuasão


É difícil definir o que faz um filme ser ruim. Se nos guiarmos pela cinematografia de Ed Wood, considerado o pior diretor de todos os tempos, acabaremos por resumir a questão aos aspectos técnicos da obra. Esta seria a forma mais simples de identificar uma produção de baixa qualidade, apontando erros de continuidade, personagens rasos ou unidimensionais, e demonstrações de ambiguidade perceptiva - quando, por exemplo, uma cena gravada em um set externo se inicia de manhã e, cinco minutos depois, já podemos perceber que o céu está escurecendo. Desde o lançamento de Star Wars (1977), entretanto, o público de cinema vem se acostumando a considerar também como uma obrigação que os filmes, ao menos as produções norte-americanas de grande orçamento, possuam efeitos especiais de alta qualidade. Daí, passamos a adestrar nosso olhar para perceber quando uma determinada cena é gravada em um ambiente externo ou em estúdio, diante da sempre presente “tela verde”, onde técnicos em computação gráfica podem imprimir a imagem que bem entenderem. Crepúsculo, baseado no livro homônimo de Stephenie Meyer sobre o romance entre uma adolescente humana (Bella) e um vampiro centenário (Edward), parece ter conseguido preencher todos os requisitos previamente mencionados para ser considerado um filme ruim.


Repressão sexual
  O roteiro, construído em torno de diálogos entre os dois protagonistas nos quais abundam frases melodramáticas sobre amor, desejo e abnegação, tentou transmitir de maneira simbólica uma mensagem favorável à prática da abstinência sexual. Amplamente divulgada nos Estados Unidos, a tese indica que a melhor maneira de evitar a disseminação de doenças venéreas, do vírus HIV e da perspectiva de gravidez não planejadas, se dá através de uma educação que instrua os jovens a esperar até o casamento para que possam consumar relações sexuais. A metáfora desse comportamento está longe de ser sutil em Crepúsculo, no qual mais de uma vez o personagem Edward afirma ser necessário que haja certo distanciamento físico entre ele e Bella, de forma a evitar que ele ceda a seus impulsos vampirescos e beba o sangue da garota.

Considerado exemplo de narrativa risível pela crítica mundial, o filme é recheado de cenas não intencionalmente cômicas, como o momento em que Edward revela a Bella porque os vampiros não podem sair quando o dia está excessivamente ensolarado. Desvirtuando todo o mito dos sugadores de sangue desde sua encarnação moderna apresentada pelo escritor irlandês Bram Stoker em Drácula, Crepúsculo mostra um morto-vivo capaz de andar durante o dia, mas que deve se esconder de uma profusão de raios solares, pois sua pele brilha tal qual um copo de cristal refratando luz.

O campo da criatividade humana é ilimitado, e não há nenhum problema em se inventar dentro de sua infinita gama de possibilidades uma criatura que seja imortal e possua pele luminosa. O problema está em se definir esta criatura como um “vampiro”. Ao fazê-lo, seria de bom tom que um conjunto de regras historicamente construídas e, portanto, em eterno desenvolvimento, fosse seguido. Se não o é, a escolha pelo rótulo soa mais como aspecto de marketing do que como uma proposta artística. Mas este ainda não é o maior dos problemas.


A supremacia do macho
Outro aspecto determinante na conformação do caráter negativo de um filme. Trata-se da mensagem ou visão de mundo que ele busca transmitir. O caso mais flagrante é aquele deTriunfo da vontade, de 1935, dirigido por Leni Riefenstahl. Laureado por seus aspectos técnicos, a película não deixou de ser considerada uma das mais infames da história do cinema pelo fato de ser, ao cabo de todas as análises possíveis de seu conteúdo, um instrumento de propaganda do regime nazista. Crítica semelhante sofreu o recente A hora mais escura, de Kathryn Bigelow, acusado de fazer apologia ao uso da tortura pelos órgãos de informação norte-americanos na sua Guerra contra o Terrorismo.  

Crepúsculo, já assombrado por pífios efeitos especiais, como as cenas em que Edward carrega Bella em suas costas, correndo a uma velocidade sobre-humana, e aquela em que o vampiro, de camisa desabotoada, brilha em uma relva ensolarada, conseguiu adentrar também no domínio das películas que carregam um traço de opinião no mínimo discutível. Trata-se da defesa intransigente dos conservadores papéis de gênero reservados aos seus protagonistas.

  Considerável polêmica pode surgir, por exemplo, se tencionarmos chamar Bella de “a heroína da história”, afinal ela pouco ou quase nada faz ao longo da narrativa. Longe de ser um personagem ativo, é Bella quem sofre a influência unilateral de Edward, seguindo-o e se adaptando aos seus anseios a todo passo da trama. A própria personalidade de Bella parece ser formada por seu namorado-vampiro, visto que a personagem não tem o caráter definido em termos positivos, mas tão somente negativos. Isto quer dizer que ao invés de sabermos, enquanto público, quais são os interesses e gostos da jovem, vemos apenas aquilo que ela não gosta de fazer, os grupos com os quais não gosta de socializar e os contatos que preferiria não travar. A ela não interessa o clima quente do Arizona (onde vive no início da trama), o olhar atento do pai, a amizade aparentemente receptiva dos colegas de colégio, ou preocupações que ela considera mundanas. Edward, por outro lado, gosta da música impressionista de Claude Debussy, de jogar baseball e de realizar atividades ao ar livre.

No decorrer do filme, Bella passa a tomar parte em cada aspecto da vida do companheiro, assimilando-os por simbiose e passando a se definir enquanto indivíduo. Em nome desse relacionamento, ela se afasta da família e dos amigos, abandona planos futuros de estudo e de carreira, e põe a própria vida em risco. Sua vontade de se tornar uma vampira como o namorado e permanentemente fazer parte de seu mundo é encarada como natural e não subserviente.

Em Dormindo com o Inimigo, Julia Roberts vive mulher violentada pelo marido / Divulgação
A visão da mulher enquanto extensão do homem corresponde também ao papel determinado para o macho, encarnado na figura de Edward. Seguindo a lógica do roteiro, seria normal que o homem em um relacionamento exigisse a presença ininterrupta de sua companheira, observando-a onde quer que ela fosse, e mantendo o mais rígido controle sobre seu cronograma e suas amizades. Tal é demonstrado quando o personagem revela à Bella que sente a necessidade de “protegê-la”, seguindo-a constantemente.

O cavalheirismo de Edward passa então a soar mais como obsessão do que cortesia, sendo chocante que o “herói” da trama advogue esse tipo de atitude, e mais ainda que a personagem feminina não se afaste de uma investida tão violenta.


Dormindo com o inimigo
  A título de exemplo, vejamos o filme Dormindo com o Inimigo (1991), estrelado por Julia Roberts. No thriller, a atriz interpreta Laura, uma mulher oprimida pelo marido Martin, violento e compulsivo. Se pegarmos algumas das falas de Martin e de Edward será difícil saber de qual filme partiram: “Ela era a única coisa que eu já amei” (Dormindo com o Inimigo); “Você é minha vida agora” (Crepúsculo); “Eu conheço todos os seus pensamentos (...) nada pode me manter longe” (Dormindo com o Inimigo); “Você não sabe quanto tempo eu esperei por você” (Crepúsculo); “Você desapareceu inexplicavelmente, eu preciso lembrar o quanto isso me deixou preocupado?” (Dormindo com o Inimigo); “Eu gosto de olhar você dormindo. Eu acho fascinante.” (Crepúsculo); “Eu não consigo viver sem você” (Dormindo com o Inimigo); “Você é como minha própria marca pessoal de heroína” (Crepúsculo). A mesma atitude possessiva em relação à companheira é atribuída, em um filme, àquele que seria o exemplo maior de decência masculina, enquanto no outro cabe a um psicopata de altíssima periculosidade.

A diferença entre ambas as obras não é que o suspense da década de 1990 seja feminista, mas que entre o alvorecer de um mundo em processo de globalização e a primeira década do século XXI, ganhou força em países como os EUA, uma intensa mobilização política e cultural emanada por grupos de extrema-direita.

Discursos xenofóbicos, homofóbicos e misóginos passaram a ocupar o espaço central do debate político, desde que a implosão dos macromodelos na década de 1980 e, mais precisamente, a derrocada do socialismo real, pareceram cessar a oferta de alternativas de mudança social. A uma classe operária frustrada e uma classe média temerosa da nova ordem, escassa de horizontes de transformação histórica, correspondeu o anseio nostálgico pelos “velhos tempos”, um espaço temporal idealizado, onde cada indivíduo supostamente saberia seu lugar no seio do país e seria feliz no mesmo.

O discurso anti-imigração da Nova Direita europeia e aquele do filme Crepúsculo não seriam, portanto, tão distantes quanto possam parecer à primeira vista. Ambos carregam em seu núcleo a defesa intransigente de um modo de vida conservador, receoso das rápidas alterações no cotidiano comunidades fechadas, que existem na América do Norte e na Europa ao menos desde o século XIX. O fato é que a ampla distribuição de um filme com este tipo de discurso seria inimaginável no período que vai da década de 1970, quando do auge do movimento feminista, ao início dos anos 2000. Não se trata de Hollywood haver perdido o pudor, mas de um sólido mercado consumidor, receptivo à mensagem machista de Crepúsculo, ter se constituído.

E nesse caso, talvez a melhor contraproposta ao presente fenômeno cinematográfico tenha sido dada pelo próprio Ed Wood. Biografado na película que carrega seu nome, dirigida por Tim Burton (Ed Wood, 1994), o diretor, interpretado por Johnny Depp, explica à equipe de produção os objetivos que deseja atingir com o filme Glen ou Glenda, os quais abarcariam, em sua visão, a essência do cinema de qualidade: “Pessoal, estamos prestes a embarcar numa tremenda jornada: quatro dias de trabalho duro. Mas quando ela tiver acabado, nós teremos um filme que irá entreter, educar e talvez até emocionar milhões de pessoas.”

As mulheres não existem para servir aos homens

PP

Postado em: 25 mar 2013 às 20:53

“Um moleque achou bonito assediar uma moça com uma cédula de dinheiro, dando a entender que ela estava à venda. Depois de pedir, várias vezes, para que parasse com aquilo, ela pegou a nota e rasgou-a ao meio. O pimpolho, claro, ficou possesso e foi para cima”

Leonardo Sakamoto, em seu sítio

Torço para que a quantidade bizarra de histórias sobre rapazes que creem que moças são objetos à sua disposição seja consequência do aumento de informação circulando por conta do crescimento das ferramentas de redes sociais e não por causa de uma mudança no comportamento da molecada. Ou seja, fatos que já aconteciam antes e que, agora, deixaram a penumbra e ganharam visibilidade. Caso contrário, vou entrar em depressão profunda.
Recebi reclamações de amigas que cansaram de se sentir como estátua de santa, daquelas que todo mundo passa a mão, em baladas. Isso não é novo mas, antes, o palhaço da história, quando tomava uma bronca, ficava constrangido pelo menos. Agora, ouço casos em que o homem (sic) fica agressivo e violento ao assediar e ser repreendido.

O pensamento machista não aceita o fato de que as mulheres 
não existem para servir aos homens.

Não vou chover no molhado e discutir que muitos pais, para compensar a ausência, satisfazem todos os desejos dos filhos, criando pessoas que não conhecem frustração e não são capazes nem de viver em uma matilha com lobos, que dirá em uma sociedade complexa. Eles podem tudo o que querem quando crianças e, ao crescerem, continuam acreditando que não há nenhuma barreira entre eles e sua felicidade. Que é só chegar lá e pegar. Que tudo tem um preço, inclusive pessoas.

Fiquei bege quando ouvi a história de um moleque que achou bonito assediar uma moça com uma cédula de dinheiro na balada, dando a entender que ela estava à venda. Depois de pedir, várias vezes, para que parasse com aquilo, ela pegou a nota, rasgou-a ao meio e devolveu a ele. O pimpolho, claro, ficou possesso e foi para cima. Provavelmente, os outros homens (sic) no entorno acharam que o gajo estava no seu direito de se defender e não reagiram. Se ela e suas amigas não soubessem se impor, a história poderia ter acabado como tantas outras.
 
O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e afeto em público. Manifestar seus sentimentos de uma forma mais delicada é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. De quem está fora do seu papel. E vamos causando outros danos no caminho: há mulheres que, para serem aceitas nesse mundo de homens, buscam nos copiar no que temos de mais idiota.

Dou aula em uma universidade que possui muitos desses jovens mimados que acham que a cidade é uma extensão da tela do seu videogame, as ruas, um anexo do banheiro que usam pela manhã diariamente e o carro, uma continuidade do seu pênis. Ou complemento, o que varia de acordo com a forma com que cada um encara suas frustrações. Em muitos casos, basta beberem uma cerveja que passam a agir como se as mulheres fossem objetos de seu prazer. E não culpem o álcool, que apenas tem o mérito de desinibir o que já havia lá dentro.

- Você não tem namorado. Se tivesse, ele não te deixava sair sozinha.
– Mulher minha só vai para festa comigo do lado.
– Não importa que você não queira, se não me der um beijo, eu não deixo você ir.
– A culpa não é minha, olha como você tá vestida!
– Se saiu de casa usando só isso de roupa, é porque estava pedindo.
– Ei, mina, se liga! Se não queria ficar comigo, porque topou trocar ideia?

Esse tipo de assédio verbal ou físico é sim uma forma de violência sexual. E das mais perversas porque, como tal, não é encarado. Ainda mais porque jovens ricos, bêbados ou não, não cometem crimes, apenas fazem “molecagens” e, portanto, fora de cogitação qualquer punição. Isso se aplica apenas a moços pobres que ofenderem alguém rico na rua. Afinal de contas, eles têm que ser colocados no seu devido lugar.

Como já disse aqui antes, ataques como esse traduzem o que parte da nossa sociedade machista pensa. Que uma mulher que conversa de forma simpática em uma festa está à disposição, que uma mulher que se veste da forma como queira está à disposição, que um grupo de mulheres sem “seus homens”, andando na noite em São Paulo, está à disposição. E quando uma mulher não tem a garantia de que não será importunada, ofendida ou violentada, com ações ou palavras, toda a sociedade tem uma parcela de culpa pelo que deixou de fazer.

Rapazes, por fim, vou contar um segredo. É duro, eu sei, mas alguém tem que fazê-lo. Não chorem, tá? Lá vai: As mulheres não existem para servir aos homens.
Pronto, vivam com isso.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Não basta apenas deixar de ser machista

quinta-feira, 7 de março de 2013

chuva acida 

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Mais um dia internacional da mulher está chegando, e mais uma vez acompanhamos um cenário com poucas mudanças: setor publicitário, em sua grande maioria, tratando a mulher como triunfo masculino; moda alienando e julgando o corpo alheio; e uma mídia que promove tudo isto. Num processo de constante aprendizado, interlocução e autocrítica, decidi que para mim (e gostaria de repassar este recado para todos os homens), não basta apenas deixar de ser machista. É preciso falar sobre o sexismo e a discriminação que estão presentes em nossa sociedade.

Considero-me um homem que está deixando de lado o machismo impregnado, pelas vivências culturais e sociais nas quais estou inserido. É um processo difícil, pois requer muita atenção em pequenas ações e reações diárias. Piadas de mal gosto, opiniões que reproduzem um status quo maligno, e comportamentos perante algumas situações já não fazem mais parte de minha vida. Ainda há muito por fazer. Resolvi falar sobre isso aqui no Chuva Ácida até como alerta para abusos que presenciamos e nos omitimos.

Os dois principais eixos que visualizo problemas são a violência contra a mulher (física e moral) e a disparidade no onipotente "mercado de trabalho". Sobre este último, é inadmissível que uma mulher, ganhe uma quantia muito menor que um homem, para o mesmo cargo e com o mesmo tempo de experiência. Em Joinville esta realidade não é muito diferente! Segundo dados do IBGE, aqui em nossa cidade, um gerente homem tem uma média salarial mensal de R$3.700,00, enquanto uma mulher ocupando a mesma posição e trabalhando o mesmo número de horas, ganha em média R$2.400,00. Sem contar as horas trabalhadas com as tarefas domésticas, onde a mulher "perde" muito mais horas que o homem.

Qual a explicação para isto? Em uma sociedade desigual, sempre haverá aqueles "que passam confiança" em sobreposição aos que "não passam confiança". Isto, pela lógica capitalista, deveria ser proporcionado pela competência, mas, infelizmente, é a questão de gênero que conta. Se cruzarmos com a etnia, o número é muito mais assustador...




Sob outro aspecto, está difícil encontrar um período em que a mulher brasileira foi tão violentada como o atual. O bombardeio da mídia com um manual de regras para o corpo e comportamento é prova disso. "Seque em 7 dias", ou "como manter seu relacionamento saudável" (como se a culpa de tudo fosse só da mulher), "aprenda a fazer um sexo que agrade o seu marido",etc. Sem contar as igrejas que promovem a virgindade para a mulher antes do casamento, sem a mesma regra para os homens. Propagandas de automóveis, cervejas, e tantos outros segmentos que historicamente colocam a mulher em segundo plano. E a "Lei Maria da Penha" está aí para ser cumprida e rigorosamente aplicada.


Pode ser que você, homem, não se considere machista, mas acredite! Um deslize ou outro você sempre irá cometer, caso não se policie e mude os seus pensamentos. Estamos reproduzindo erros históricos sem perceber, tornando-nos opressores ao invés de agentes reprodutores da igualdade. Se você acha que isso tudo é besteira, me desculpe, mas você não tem o meu respeito. Antes de tudo somos pessoas, por mais que existam diferenças de comportamento entre homens e mulheres. E você mulher, que não vê problema algum em fatos como o da imagem acima... você está levando a sua vida com um cabresto ;)

Por mais que o meu processo de autocrítica seja infinito, é importante o debate. E é importante também lembrarmos que o dia da mulher é todo dia, toda hora, em todo lugar. E de todas as pessoas também, sem distinções de gênero, credo, etnia, situação econômica ou local de moradia! O 8 de março, para mim, é mais o dia da luta feminista contra a opressão, do que qualquer outra coisa.

A exploração sexual da mulher no século XXI

11/03/2013

A pobreza é um dos principais fatores para vulnerabilidade a qualquer tipo de exploração. No caso do tráfico de mulheres, esse fato adquire um valor particular, vez que muitos estudos concordam que a pobreza é mais recorrente em mulheres.

As comemorações do Dia Internacional da Mulher servem também para alertar que, em pleno século XXI, a histórica vulnerabilidade da mulher persiste com contornos alarmantes, e na forma mais primitiva que se possa imaginar: a da escravidão sexual.

Situações de tráfico de pessoas e trabalho escravo não remetem a um passado distante, casos isolados de violações em lugares remotos e a um problema superado pela humanidade. Ao contrário, trata-se de questão que figura como tema central na agenda política internacional.

Atualmente, o tráfico de pessoas é uma das atividades mais lucrativas do crime organizado no mundo, sendo a terceira mais rentável atividade desse tipo de crime transnacional, ficando atrás somente do tráfico de drogas e de armas. O tráfico de mulheres para exploração sexual figura como espécie do tráfico de pessoas. Estima-se que da totalidade de vítimas do tráfico de pessoas, quase a metade seja subjugada para exploração sexual, a qual inclui turismo sexual, prostituição forçada, escravidão sexual e casamento forçado. Entre as principais vítimas, estão as mulheres.

No Brasil, o tráfico de mulheres não era considerado um problema relevante até que pesquisas incluíram o país nas rotas internacionais de tráfico de seres humanos e exploração sexual, evidenciando também a existência de rotas nacionais por todo o território.

Na seara das dificuldades conceituais em torno do crime de tráfico sexual de mulheres, um dos pontos mais complexos é o consentimento das vítimas ou seu grau de vitimização. É comum pensar que existe distinção entre a mulher que escolhe por um trabalho na indústria do sexo, e a outra que é forçada a isso. Em termos práticos, porém, é difícil avaliar qual é o grau de vontade própria do sujeito. Ainda que a pessoa tenha consentido com atividades relacionadas à indústria do sexo, indaga-se se teria ela se sujeitado à situação de exploração na qual foi inserida. De mais a mais, ainda que houvesse o referido consentimento à exploração, não parece razoável entender que a vítima poderia dispor de seus direitos fundamentais.

Logo, o consentimento dado pela mulher deve ser considerado como irrelevante para a configuração do tráfico, pois ninguém pode escolher voluntariamente ser traficada, explorada ou escravizada. Além dos fatores já expostos, há pesquisas que salientam o fato de que as mulheres e adolescentes em situação de tráfico sexual comumente já sofreram algum tipo de violência intrafamiliar ou extrafamiliar como abuso sexual, estupro, abandono, negligência, maus-tratos, ou outros tipos de violência em escolas, abrigos ou outros.

Por outro lado, a pobreza é um dos principais fatores para vulnerabilidade a qualquer tipo de exploração. No caso do tráfico de mulheres, esse fato adquire um valor particular, vez que muitos estudos concordam que a pobreza no mundo é mais recorrente em mulheres, e inclusive atribuem a este fenômeno o nome de “feminilização da pobreza”.

O século XXI vê-se diante de um velho problema, que ressurge com novos contornos, porém caracterizado pelas mesmas violações aos direitos humanos. O tráfico de mulheres para exploração sexual é um fenômeno impulsionado pela globalização, expressão da escravidão moderna e que ascende como nova modalidade do crime organizado internacional. É alarmante saber que pesquisas apontam para a existência, hoje, de mais mulheres escravizadas sexualmente do que em qualquer outro período da história.

(*) Professora de Direito Internacional da UFPR e da UniBrasil.

Grupo investiga relatos de tortura de crianças

O  

 unisinos

Grupo de Trabalho Ditadura e Gênero, encarregado de pesquisar a violência cometida contra as mulheres por agentes de Estado, também vai investigar os casos de violências contra crianças. "Já começamos a coletar relatos de prisões e tortura de crianças", disse a pesquisadora Glenda Mezzaroba.

De acordo com suas informações, há relatos de crianças que foram levadas à prisão para verem os pais torturados. Também surgiram casos em que a violência não era tão explícita. "Quando famílias de opositores da ditadura eram banidas do País, as crianças eram fotografadas vestindo apenas calcinhas ou cuequinhas", informou. "Essas fotos, que estão sendo localizadas nos arquivos dos órgãos de repressão, são a prova de um tipo de violência que se praticava contra as criança."
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 25-03-2013.

Segundo a ex-presa política Crimeia Schmidit de Almeida, era comum a violência contra as mulheres se estender aos seus filhos.

Integrante da Guerrilha do Araguaia, Crimeia estava grávida quando foi detida por agentes da repressão, em 1972. Na quinta-feira, em depoimento perante a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, na Assembleia Legislativa, ela contou que a sua condição não impediu que fosse submetida a sessões de tortura.

"Eles me torturaram bastante, apesar da barriga grande", contou. "Um médico que dava assistência à tortura, dizia que eu aguentava, mas que não podiam bater na barriga, pendurar no pau de arara e nem dar choque na vagina. Por causa disso eu levei muito choque e pancada nas mãos, nos pés, na cabeça."

De São Paulo, Crimeia foi levada para uma prisão em Brasília, onde nasceu seu filho. Conforme seu relato, um pouco antes do nascimento, quando solicitou socorro e não foi atendida, ela disse ao obstetra de plantão na prisão: "Meu filho vai morrer." E ele teria respondido: "Não tem problema. É um comunista a menos."

Após o nascimento, relatou Crimeia, ela foi submetida durante vários dias a torturas psicológicas. "Diziam que iam mandar meu filho para a Febem e que eu nunca mais iria encontra-lo. Depois eu descobri que ele estava na enfermaria, mas dopado, com doses pediátricas de Diazepan." O filho de Crimeia sobreviveu e hoje tem 40 anos.

Comissão da Verdade vai dar ênfase à violência contra mulheres



unisinos 

A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva realizam hoje, em São Paulo, um encontro aberto sobre a questão das mulheres que participaram da resistência à ditadura e das violências que sofreram. O objetivo é dar mais visibilidade ao sofrimento das mulheres diretamente envolvidas com o conflito e também daquelas cujos familiares foram perseguidos, torturados, assassinados ou estão desaparecidos até hoje.
A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 25-03-2013.

A questão das mulheres também deverá ter destaque na campanha publicitária que a Comissão Nacional da Verdade deve lançar nos próximos dias para divulgar suas atividades. Um dos objetivos da campanha é estimular o depoimento de pessoas de sofreram violências e que ainda não tiveram oportunidade ou estímulo para falar.

Já se sabe, pelos trabalhos de outras comissões, em outros países, que a violência sexual sofrida pelas mulheres é um dos temas de mais difícil abordagem e exposição. Na campanha que está sendo finalizada, a comissão vai esclarecer que os depoentes podem ficar anônimos, se quiserem. O que se busca, entre outras questões, é a identificação dos autores das violências.

No final do ano passado, a comissão já havia criado o grupo temático denominado Ditadura e Gênero, para pesquisar e analisar a violência contra a mulher no período entre 1964 e 1985. Coordenadas por Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da comissão nomeados diretamente pela presidente Dilma Rousseff, as atividades do grupo estão sendo levadas adiante pelas pesquisadoras Glenda Mezzaroba e Luci Buff.

Em entrevista ao Estado, Glenda Mezzaroba observou que também está sendo analisada a participação de mulheres que não se envolveram diretamente com os movimentos de oposição à ditadura, mas participaram da resistência. "As mulheres foram protagonistas na busca pela verdade, na organização de comitês de anistia, na luta por informações sobre mortos e desaparecidos", afirmou. "Quase todas tiveram de enfrentar em algum momento o aparato de repressão e sofreram algum tipo de violência, como ameaças, injúrias, humilhações."

Ela também lembrou as mulheres que tiveram companheiros e filhos presos. "Em alguns casos isso significou uma carga maior na criação dos filhos, pois tiveram de fazer isso sozinhas. Frequentemente enfrentavam humilhações nas visitas aos companheiros presos. Uma delas foi levada até a prisão para assistir à tortura do marido quando estava grávida. É um tipo de violência que não deixa marca no corpo, mas que vai ter um impacto na vida inteira", disse Glenda.

Em relação à violência sexual, a pesquisadora observou que ela vai muito além do estupro, a primeira questão levantada quando se trata do assunto. "É um tema muito mais amplo. Ficar nua diante de um grupo de homens para ser interrogada é uma violência que pode ter um impacto maior para a mulher do que para o homem", disse. "Entre as sobreviventes que passaram pelos cárceres em períodos de repressão política surgem relatos de golpes destinados a afetar a capacidade de reprodução, casos de indução ao aborto, estupros repetidos, prostituição forçada, escravidão sexual."

Sobrevivente
Na sessão que será realizada hoje à noite na Assembleia Legislativa, será homenageada a ex-presa política Inês Etienne, única sobrevivente da Casa da Morte - centro de tortura da ditadura que funcionava em Petrópolis, no Rio. A abertura será feita pela teóloga Ivone Gebara.

A ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, foi convidada e deverá participar do evento.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Mesmo com a Lei Maria da Penha, aumenta número de casos de violência contra a mulher

Extraído de: Instituto Brasileiro de Direito de Família  - 18 horas atrás

jusbrasil


Cerca de 92 mil mulheres foram assassinadas em todo o mundo nos últimos 30 anos, de acordo com estudo apresentado nesta terça-feira (19), pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania e do Departamento de Pesquisas Judiciárias. Deste número, 43,7 mil foram mortas apenas na última década, o que denota aumento considerável deste tipo de violência a partir dos anos 90.

A violência contra as mulheres constitui, atualmente, uma das principais preocupações do Estado brasileiro, pois o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking mundial dos países com mais crimes praticados contra as mulheres.

Segundo o relatório, o Espírito Santo apresenta a taxa de homicídio mais alta do país, com 9,8 homicídios a cada 100 mil mulheres. No Piauí, foi registrada a menor taxa, com 2,5 homicídios para cada 100 mil mulheres.

O local onde mais comumente ocorrem situações de violência contra a mulher é a residência da vítima, independente da faixa etária. Até os 9 anos de idade, conforme foi identificado pelo estudo, os pais são os principais agressores. A violência paterna é substituída pela do cônjuge e/ou namorado, que preponderam a partir dos 20 até os 59 anos da mulher. Já a partir dos 60 anos, são os filhos que assumem esse papel.

Conforme o Mapa da Violência 2012, e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), ambos apresentados no relatório, mesmo após o advento da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher é significativamente expressiva no Brasil. Os registros de homicídio e agressão têm aumentado nos últimos anos.

O decréscimo nas taxas de homicídio no ano de aplicação da Lei Maria da Penha (2006) e o subsequente aumento dessas mesmas taxas nos anos seguintes indicariam que as políticas atuais necessitam de constante monitoramento para a efetiva mudança no quadro de violação dos direitos das mulheres. O relatório também aponta a persistência da vulnerabilidade da mulher no âmbito de suas relações domésticas, afetivas e familiares, visto que em quase metade dos casos, o perpetrador é o parceiro, ex-parceiro ou parente da mulher.


Falta estrutura Desde o advento da Lei Maria da Penha, em 2006, até o primeiro semestre de 2012, foram criadas 6612 varas ou juizados exclusivos para o processamento e julgamento das ações decorrentes da prática de violências contra as mulheres. O estudo analisou apenas os juizados de competência exclusiva e concluiu que é preciso dobrar o número dos referidos juizados para atender à demanda atual no país. Atualmente, são 66 unidades, mas o ideal seriam 120. Também é preciso tornar o atendimento mais proporcional nas cinco regiões do país

O estudo recomenda a instalação de 54 varas ou juizados da violência contra a mulher, especialmente em cidades do interior com grande concentração populacional, para atender de forma adequada à demanda existente. Observa-se que Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Santa Catarina possuem a pior relação entre população feminina e o quantitativo de varas ou juizados exclusivos.

O relatório apresenta uma proposta completa de melhoria na espacialização das unidades judiciárias no Brasil, considerando-se critérios demográficos, urbanos e sociais. Contém o Mapa da Violência 2012 que traça perfis de agressores e vítimas e dados quantitativos das principais opressões sofridas pelas mulheres além de dados importantes sobre o quantitativo de procedimentos que estiveram em trâmite nas varas e nos juizados exclusivos de violência contra a mulher nos seis primeiros anos desde o advento Lei.

Autor: Assessoria de Comunicação do IBDFAM

e é claro que sempre tem os comentários que dei print pois se contar ninguém acredita


terça-feira, 19 de março de 2013

Certo dia me deu a louca...

em plena batalha contra as páginas dos Lobos Insanos e psicopatas, e sem saber mais a quem apelar pois todos se omitiam,eu entrei na página da Safernet do Face Book e fui postando em cada tópico deles as minhas denuncias e reclamações (já que por outros meios eu nunca obtive resposta)

não demorou, recebi a seguinte mensagem que dei print e posto abaixo


no dia  - 15 de janeiro - a página da Safernet do Face estava trancada, e todas as postagens excluidas

alguém me explica como e porque uma página que existe para receber  denuncias está  trancada e sem ter opção para que possamos postar alguma denuncia?

isso é brincadeira né?

furiosa quando vejo alguém indicando Safernet para fazer denuncias
é o mesmo que indicar Melhoral para curar câncer terminal

domingo, 17 de março de 2013

Ditadura e as mulheres: de mãe e santa à bruxa e prostituta.

21/10/2009

unisinos



Entrevista especial com Susel Oliveira

 Susel de Oliveira revela, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail, detalhes das torturas pelas quais algumas mulheres vítimas da ditadura que o Brasil viveu por 20 anos passaram quando presas.

“O fim da ditadura, diga-se de passagem, marcado pela política de conciliação e esquecimento, simbolizada na anistia ampla que beneficiou também os torturadores e os responsáveis direta ou indiretamente pelo regime militar, intensificou a atuação da chamada segunda onda do feminismo que irrompeu no final dos anos 1960 e na década de 1970.

Feminismo que, já durante a ditadura, propiciou às mulheres ocuparem o mundo público, questionando o regime patriarcal, a divisão sexual do trabalho”, aponta ela, que fala das relações de poder estabelecidas e rompidas a partir da repressão vivida naquele momento.  

Susel cita também documentos, como filmes e livros, em que as mulheres puderam contar o que viveram. “Trabalhos como, por exemplo, o de Elizabeth Ferreira Mulheres, militância e memória - e Ana Maria Colling A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil mostram quem, para a ditadura, as mulheres militantes encarnavam um papel duplamente transgressor: transgrediam enquanto agentes políticos ao se insurgirem contra a ditadura e também transgrediam ao romper com os padrões tradicionais de gênero”, apontou.

Susel de Oliveira da Rosa é graduada em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Na mesma área, fez o mestrado pela PUCRS e doutorado pela Unicamp, onde também fez o pós-doutorado e hoje é pesquisadora colaboradora.


Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como você analisa as relações de poder que se estabeleceram sobre as mulheres a partir da ditadura militar no Brasil?

Susel Oliveira – Em primeiro lugar, penso que é interessante termos em mente que os conflitos armados, as guerras, a militarização da sociedade etc. reforçam e atualizam os estereótipos sexistas. Se, longe dos conflitos, as mulheres não têm os mesmos recursos econômicos, direitos políticos, autoridade e controle sobre seu entorno e suas necessidades que os homens, nas situações de conflito, isso se exacerba, aumentando a discriminação e a violência.

O Relatório da Anistia Internacional de 2004, elaborado por Irene Khan,(foto) Vidas Rotas: Crímenes contra mujeres en situaciones de conflicto mostra a extensão dessa realidade no mundo contemporâneo (situação das mulheres no Afeganistão, estupros generalizados no Sudão, situação semelhante no Congo e na Colômbia, violações constantes nos acampamentos para refugiados, entre muitos outros. Sem contar a violência cotidiana, em casa, na rua, no trabalho). Nesses casos, não falamos em relações de poder, mas em estados de dominação, como diria Michel Foucault.

Podemos falar da disseminação da tortura, do desaparecimento e dos sequestros perpetrados pelas forças repressivas durante a ditadura militar, que atingiram os militantes em geral, adquirindo um caráter específico em relação às mulheres por meio da violência baseada no gênero.

Torturar através de violação, mutilação, humilhação, insultos e ameaças sexuais caracteriza a tortura baseada no gênero, sistematicamente utilizada contra as mulheres, apesar de, muitas vezes, homens e meninos também serem vítimas desse tipo de tortura; acrescentando-se especificamente às mulheres os choques elétricos em grávidas e introdução de objetos na vagina.


Uma ex-presa política brasileira (Lucia Murat - foto ao lado)  relata, no filme-documentário Que bom te ver viva que foi despida já no momento da prisão. Prisão que se deu após uma perseguição policial em que foi presa juntamente com outros companheiros do grupo ao qual pertencia. Além de ser obrigada a ficar nua, os policiais a revistaram ali mesmo, na frente de todos, invadindo sua vagina, no intuito de encontrarem alguma arma escondida. Ou seja, o objetivo era degradá-la, uma humilhação destinada especificamente às mulheres.

A mesma ex-presa política conta ainda que estava grávida quando foi conduzida ao DOI-CODI: perdeu seu filho lá mesmo, em função das torturas. Esse é um dos inúmeros relatos que acentuam a especificidade da tortura dirigida aos corpos femininos.

Torturas cometidas pelos agentes do Estado, aqueles que Martha Huggins em Operários da Violência denomina de perpetradores de atrocidades que tinham o aval de uma imensa gama de facilitadores de atrocidades. Funcionários de um Estado de exceção que, durante a ditadura militar, tinham licença especial para matar, torturar ou estuprar. Agentes que viam as mulheres militantes como desviantes, aquelas que renegavam sua natureza ousando ocupar o espaço da luta política.


IHU On-Line – Que tipo de rupturas aconteceram - e quais não aconteceram - com o fim da ditadura em relação às mulheres?

Susel Oliveira – O fim da ditadura, diga-se de passagem, marcado pela política de conciliação e esquecimento, simbolizada na anistia ampla que beneficiou também os torturadores e os responsáveis direta ou indiretamente pelo regime militar, intensificou a atuação da chamada segunda onda do feminismo que irrompeu no final dos anos 1960 e na década de 1970.

Feminismo que, já durante a ditadura, propiciou às mulheres ocuparem o mundo público, questionando o regime patriarcal, a divisão sexual do trabalho. Feminismo (melhor dizendo feminismos, pois são plurais) que rompeu com os padrões, valores e códigos tradicionais impostos às mulheres, sinalizando com a possibilidade de outros modos de existência para além da divisão da humanidade em formatos binários.

As mulheres que participaram da luta contra a ditadura militar de diversas formas, continuaram lutando nas décadas pós-ditadura. Muitas dessas mulheres, ainda durante a ditadura, mesmo sendo de esquerda, ousaram romper com as posturas tradicionais e misóginas reproduzidas por boa parte da própria esquerda a que pertenciam.


IHU On-Line – A mulher é muito ligada à cultura da memória, mas, no Brasil, quando se fala em ditadura, dizem que vivemos a memória do esquecimento. Como você vê a cultura da mulher brasileira que viveu a ditadura nesse contexto?

Susel Oliveira – O esquecimento marca a trajetória de exceção do Estado e da política no Brasil. Esquecimento que toca em especial a trajetória das mulheres, já que dos relatos que dispomos, a maioria diz respeito aos homens. No entanto, na contramão dessa política de esquecimento, podemos citar inúmeros trabalhos e atuações de mulheres.

Mulheres como Maria Amélia Telles, ex-militante do PCdoB que foi presa no início dos anos 1970 junto com seu marido. Seus filhos, ainda pequenos, foram levados para as salas de tortura. Amelinha, como conhecida, coordena atualmente a União de Mulheres de São Paulo e, junto com a família, moveu uma ação inédita no país que declarou Brilhante Ustra como torturador. Escreveu também Breve história do feminismo no Brasil; O que é violência contra a mulher e O que são direitos humanos da mulher, entre outros.


Outras como Criméia Schmidt de Almeida que, na época da ditadura militar, também fazia parte do PCdoB e participou da Guerrilha do Araguaia. Criméia foi presa grávida e teve seu filho em meio às torturas e ameaças da repressão. Ela, atualmente, faz parte da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e é uma das responsáveis pela publicação Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985), lutando ativamente pela abertura dos arquivos da repressão.


Danda Prado é outro exemplo, também era ligada ao Partido Comunista e exilou-se na França no início dos anos 1970, onde participou ativamente dos movimentos feministas franceses, fundando o Grupo Latino-Americano das Mulheres em Paris e fazendo circular no Brasil e na América Latina, em conjunto com outras companheiras, o periódico Nosotras.

De volta ao país, após a anistia, Danda continuou participando ativamente dos grupos feministas e publicou livros como Esposa, a mais antiga profissão; Cícera um destino de mulher; O que é aborto, O que é família, entre outros, todos denunciando a situação da mulher num mundo patriarcal.



E também mulheres como Rosalina Santa Cruz, Flávia Schilling, Nilce Azevedo Cardoso, Susana Lisboa, entre inúmeras outras que viveram os tempos sombrios da ditadura militar, inventado para além das capturas biopolíticas. Suas narrativas femininas, vale dizer, não lamentam o destino da revolução. São narrativas que privilegiam o devir revolucionário para Deleuze, o único capaz de conjurar a vergonha de ser um homem e responder ao intolerável em mulheres que permanecem empenhadas com o mundo até hoje. Mulheres que carecem de uma concordância feliz e natural com o mundo, para usar aqui uma expressão da Hannah Arendt.


IHU On-Line – Durante a ditadura, os gestos das mulheres se diferenciavam de que forma dos homens?

Susel Oliveira – Creio que, em nossas pesquisas, não se trata de marcar as diferenças que reafirmam a ordem dimórfica que divide e estabelece papéis entre homens e mulheres, pois, sexo e gênero são categorias construídas que precisam ser questionadas. Mas vou aproveitar a sua pergunta para falar de como a repressão diferenciava homens e mulheres, reafirmando essa ordem misógina e dimórfica do mundo.

Trabalhos como, por exemplo, o de Elizabeth Ferreira Mulheres, militância e memória - e Ana Maria Colling A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil mostram que, para a ditadura, as mulheres militantes encarnavam um papel duplamente transgressor: transgrediam enquanto agentes políticos ao se insurgirem contra a ditadura e também transgrediam ao romper com os padrões tradicionais de gênero.

Ou seja, as mulheres não eram acusadas apenas de serem terroristas, mas de serem terroristas e mulheres, pois ocupavam um espaço público destinado aos homens. Dessa maneira, a figura da mãe ou da santa cedia lugar rapidamente à figura da bruxa e da prostituta. Desde o momento da prisão até o horror da sala de torturas, estavam nas mãos de agentes masculinos fiéis às performances de gênero, que utilizavam a diferença como uma forma a mais para atingir as mulheres.

“A primeira coisa que faziam era te colocar nua”, relata uma ex-presa política no documentário Memória para uso diário, produzido com o apoio do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, acrescentando que quase todas as mulheres foram estupradas, embora a maioria não fale sobre isso.

Embora a nudez e a tortura nos órgãos genitais fossem constantes para homens e mulheres no momento da tortura, o estupro foi utilizado especificamente contra mulheres. Estupro que tem sido utilizado como arma de guerra, sem distinção de idade, raça ou estilo corporal. Como enfatiza Tania Swain: “este tipo de violência especificamente dirigido contra os corpos e integridade física e mental das mulheres, porque são mulheres, pois, se não são propriedade de um homem, pertencem, no sistema patriarcal, a todos eles”

sábado, 16 de março de 2013

Turista suíça é vítima de estupro coletivo na Índia

16 de março, 2013 - 17:59 (Brasília) 20:59 GMT
 
bbc.

Uma turista suíça de 39 anos foi vítima de um estupro coletivo no Estado indiano de Madhya Pradesh, no centro do país, segundo a polícia local.



A mulher estava acampada com seu marido em um vilarejo do distrito de Datia, durante uma viagem de bicicleta pela região, quando foi atacada por um grupo com 8 a 10 homens.

O grupo atacou o marido com pedaços de pau e o amarrou antes de estuprar a mulher.

Segundo a polícia, os criminosos levaram vários pertences do casal, incluindo US$ 185 em dinheiro e um computador laptop.

Mais de 20 pessoas foram presas em conexão com o ataque, que levou a embaixada da Suíça no país a exigir uma investigação profunda do caso.

A mulher está internada na cidade de Gwailor, de onde prestou depoimento às autoridades.

O casal estava fazendo de bicicleta o trajeto de 250 quilômetros entre Orchha a Agra, para visitar o Taj Mahal, quando decidiu pernoitar em um vilarejo no caminho.

 

Indignação e protestos

Também na sexta-feira, uma mulher indiana de 38 anos foi estuprada por um grupo de homens em um ônibus na cidade de Indore.
Três homens suspeitos de participar do ataque foram presos.

Os incidentes ocorrem apenas três meses após a morte de uma estudante de medicina de 23 anos após um estupro coletivo em um ônibus em Nova Déli, que provocou indignação no país e protestos em todo o mundo pela proteção das mulheres.

sábado, 9 de março de 2013

Eu, definitivamente, vi o pior e o melhor dos homens

Postado em: 8 mar 2013 às 15:02

O depoimento dramático de uma mulher que conta como foi violentada sexualmente e salva durante protesto na Praça Tahrir

No dia 2 de junho de 2012, eu estava na Praça Tahrir, aonde já havia ido várias vezes, para documentar o protesto que ocorria e não alcançava a mídia internacional. Eu não sou egípcia, mas acompanhei uma amiga egípcia durante e após o primeiro turno eleitoral. Eu a filmei em diversos protestos e marchas e por esse motivo estava lá aquele dia. Nós estávamos em um grupo de 5 pessoas, 3 mulheres e 2 homens. Nós nos sentimos seguros e estávamos atravessando a praça em direção à esquina com a rua Muhammed Mahmoud. De repente, ficamos cercados por muitas pessoas e eu percebi um homem nos seguindo. Ele tinha um celular nas mãos que não parava de tocar, mas ele não atendia. Eu o achei estranho e comentei com uma amiga, quando ela virou, ele já tinha saído e nós decidimos sair da área lotada da praça.

A melhor maneira foi passar pela cerca de metal e andar na rua. No caminho, eu senti um homem apertando o meu peito. Eu o afastei e continuei a andar. Durante o curto período que fiquei no Cairo, eu passei por assédio sexual muitas vezes e eu sabia que esse era um grande problema. Nós continuamos e de repente, todos os homens ao nosso redor começaram a tocar nosso corpo. Foi como se eles tivessem nos cercado ao mesmo tempo e nos separado uns dos outros.

Isso aconteceu enquanto estávamos passando pela cerca de metal. De lá, eu não vi nenhum dos meus amigos, com exceção de um deles que estava tentando afastar os homens de mim enquanto eles vinham mais e mais.

Mulheres sofrem com estupros na Praça Tahrir dois anos após revolução egípcia. Padrão nos casos levanta suspeitas de que violência sexual está sendo usada como forma de repressão.

Antes que pudesse perceber, fui jogada contra uma parede, onde uma moto estava estacionada. Eu estava em cima da moto enquanto meu amigo e outros homens tentavam fazer um meio círculo para me proteger. Mas existiam mais homens tentando me machucar do que me proteger e eu fui agarrada por todos os lados e minha calça e camiseta foram arrancadas. Naquele momento, foi como se os homens fossem ainda mais à loucura. Minha calça foi arrancada por muitos homens e eles me estupraram com seus dedos sujos. Eu consegui colocar minha calça de volta e ainda podia ver a cara do meu amigo ainda tentando, com todas as suas forças, tirar pelo menos alguns homens. Eu realmente vi o pior e o melhor dos homens. Meu amigo apanhou e colocou sua vida em risco para tentar me salvar enquanto outros homens estavam lutando para chegar perto de mim com uma única intenção: me machucar o máximo possível.

Por todo o tempo, tentei me proteger, mas eram muitas mãos e muitos animais. Cada vez mais homens vieram se juntar ao assédio e, de repente, eu vi outro rosto que conhecia. Era um amigo norte-americano e tanto ele quanto meu amigo egípcio continuavam me dizendo que tudo ficaria bem, que logo isso tudo iria acabar. Eu não acreditei neles e acho que nem mesmo eles estavam acreditando nisso.

Eu joguei minha câmera para meu amigo norte-americano e disse para ele correr. Eu sabia que ele apenas teria mais problemas ficando. Ele correu com a câmera e neste momento, meu amigo egípcio e eu decidimos escapar. Nós contamos até 3 e eu pulei em seu braços e isso criou um segundo de confusão para os homens que estavam me machucando. Mas, novamente, eles estavam todos em cima de mim. Eu fui jogada em um beco e contra uma parede.

Eu não sabia quem estava querendo me ajudar e quem não estava. A única pessoa que eu confiava era meu amigo. Outros diziam que estavam ajudando, mas, na verdade, estavam tentando ficar no começo da fila para pegar um pedaço do bolo. Outros estavam ajudando de verdade, mas era impossível saber quem eram.

(Vídeo flagra violência sexual coletiva contra mulher na Praça Tahrir. Legenda em Português-Portugal)

Os homens estavam como leões em volta de um pedaço de carne e suas mãos estavam por todo o meu corpo e debaixo das minhas roupas rasgadas. Novamente, minha calça e calcinha foram arrancadas com violência e muitos homens, ao mesmo tempo, me estupraram com seus dedos. De repente, eu fui atirada no chão e os homens me agarraram pelos cabelos, pernas e braços enquanto o estupro continuava. De alguma forma, consegui me levantar e a porta de um corredor se abriu perto de mim e fui empurrada para lá.

No corredor, cerca de 20 homens conseguiram entrar antes da porta se fechar. Eu não vi meu amigo entre eles. Foi a primeira vez que tive a chance de ver os homens por poucos segundos e eles eram de todas as idades. As expressões em seus olhos eram realmente de animais e nenhum um pouco humanas. E a forma como estavam me jogando era como se eu não fosse humana, mas um pedaço de lixo.

Novamente, eu fui cercada por todos os lados no meio do andar. Tinha até um homem deitado no chão, sendo pisado pelos outros, tentando enfiar seus dedos entre as minhas pernas. Isso aconteceu por todos os lados e mais dedos ao mesmo tempo. Eu tinha certeza que eles não iriam parar até eu ficar deitada morta no corredor. Eu, realmente, tentei lutar e proteger meu corpo, mas era impossível. Toda vez que eu tentava chutá-los, mais mãos estavam entre as minhas pernas e todas as vezes que eu tentava bater em alguém ou remover suas mãos, minha camiseta era ainda mais arrancada e meus seios puxados. Por um segundo, eu tive a chance de machucar um homem que estava atrás. Eu pressionei meus dedos, com toda a força que ainda tinha, em um de seus olhos, mas ele apenas continuou a me machucar com os seus dedos.

Dois ou três homens conseguiram me tirar dos outros e me colocar numa cadeira no canto. Agora, eu sei que eles estavam tentando me ajudar, mas eu não sabia disso no momento. Eu estava com tanto medo e não conseguia ver o fim disso. De repente, eu escutei um som alto e eu vi um idoso com um pedaço de madeira nas mãos. Eu o vi batendo em um jovem e eu fui empurrada em um quarto, enquanto alguns homens estavam tentando segurar outros. Finalmente, eu tive a chance de colocar minha calcinha e calça e um homem me deu uma bandeira do Egito para me cobrir. Me disseram para subir as escadas.

O idoso com o pedaço de madeira estava na frente e cerca de quatro ou cinco homens lhe seguiram. Outros ficaram e estavam tentando segurar o resto.

Entre as centenas de mulheres que já foram estupradas na Praça Tahrir está Lara Logan, Correspondente da rede de TV americana CBS. A jornalista foi violentada em 2011 (Foto: Lara Logan no Egito / Reprodução)


Subindo as escadas, eu não tinha nenhuma ideia do que aconteceria. A única coisa que eu sabia era o que estava lá embaixo e que não poderia voltar. Eu continuava caindo porque não tinha nenhuma energia mais. As escadas não terminavam nunca e eu continuava caindo e chorando. Eu não confiava em nenhum homem. Um deles continuava dizendo “tudo está bem, os egípcios são bons”. Uma hora eu caí, e um homem atrás de mim tocou em meus seios, eu o empurrei e olhei para seu rosto e ele pediu desculpas e disse que foi um acidente. Não era e eu estava com nojo dele e ainda mais assustada com o que estaria me esperando no fim das escadas. Mas, por sorte, eles estavam me ajudando e eu estava tão aliviada de, finalmente, ver uma mulher quando entramos no apartamento no fim das escadas. Ela era a mulher do homem que me levava pelas escadas e eles não deixaram nenhum dos homens entrar.

A mulher me levou ao banheiro e me deu algumas de suas roupas. Quando eu cheguei no banheiro, não conseguia ficar em pé por nem mais um minuto. Eu caí no chão e comecei a chorar e chorar. Eu não sei por quanto tempo eu fiquei lá, mas, de repente, uma das minhas amigas apareceu na porta. Eu nunca tinha ficado tão feliz de ver alguém que conheço. Ela me abraçou e me ajudou a trocar de roupa e a lavar a sujeira de meu rosto, braços e mãos.

Nós ficamos no apartamento com essas pessoas maravilhosas que nos deram água e Pepsi para beber. Eles também me deram um lenço e sapatos, pois tinha perdido um par durante o ataque. Minha amiga tinha um telefone e conseguiu conversar com nossos outros amigos. Depois de um tempo, me disseram que era seguro deixar o apartamento, mas eu recusei diversas vezes até que me convenceram. Eu estava com tanto medo de aqueles animais estarem me esperando.

O idoso e seu filho nos seguiram até o final do beco e eu estava tão feliz de ver nossos dois amigos nos esperando. Nós andamos muito rápido, cobrindo minha cabeça com o lenço e entramos no carro do meu amigo estacionado parto. Nós fomos até o apartamento onde vivíamos e encontramos o resto de nossos amigos.

Nos dias seguintes, eu pude ver meus bravos amigos e outras mulheres começarem a conversar sobre esse grande problema. Eu fiquei na minha e retornei ao meu país depois de uma semana. Agora, estou recebendo ajuda médica e psicológica para me recuperar do ataque. Minha identidade permanece em segredo pela minha segurança e para poder retornar ao Cairo algum dia.

Eu desejo o melhor para as mulheres do Egito. Sem elas, não haveria nenhuma revolução. Atacá-las agora é apenas arruinar a continuidade da revolução. Eu ouvi algumas pessoas dizendo às mulheres para não contarem suas histórias sobre os assédios, ataques e estupros porque poderiam arruinar a imagem da revolução.

Eu tenho apenas uma coisa para dizer a essas pessoas: ninguém senão vocês estão arruinando a revolução. O que vai sobrar na praça sem as bravas mulheres?

Eu acredito que as mulheres não vão permanecer caladas e não vão desistir, mas é importante que todos os homens no Egito tomem uma posição sobre esse assunto. Diga alto, escreva em um cartaz, vista em uma camiseta. Faça o que for preciso para dizer às mulheres e o mundo que não são todos os homens no Egito que batem, assediam e estupram uma mulher apenas por andar nas ruas, por participar em protestos ou simplesmente, por exigir seus direitos.

Publicado originalmente no Nazra for Feminist Studies. Traduzido por Marina Mattar, Opera Mundi

Feminicídio: Crime comum?

Não é segredo que nossa sociedade não tem legislação específica para crimes de ódio. Quando uma pessoa é morta por fazer parte de um grupo historicamente oprimido, os(as) assassinos(as) são acusados(as) de homicídio simplesmente, sendo completamente ignorada a motivação do crime.

Feminicídio é o assassinato de uma menina ou mulher POR ela ser do gênero feminino, ou seja, o assassino tem "raiva" dela por alguma questão relacionada a sua feminilidade. Ontem, o famigerado goleiro Bruno foi finalmente condenado. Em julgamento, ele confessou o que foi feito com a mãe de um filho dele. Eliza foi assassinada de forma cruel e sem chance de defesa por ter tentado cobrar dele os direitos legais de seu filho. Eliza foi vítima de um feminicídio. O corpo dela foi esquartejado e dado para cães comerem.

Entregar um corpo para que animais se alimentem dele tem um forte significado simbólico. Claro que, na prática, é uma tentativa de praticar um crime perfeito: "Não há corpo, logo não há assassinato". Mas no âmago, implica um ódio muito grande.

O cadáver é sagrado em nossa cultura. É peça fundamental para os ritos de luto. Esquartejar um corpo é uma violação, transformá-lo em alimento para animais é sugerir que aquela pessoa não significa nada. É preciso ter um desprezo muito grande pela vítima para se chegar a tal ato sem qualquer remorso.

Fiquei profundamente surpresa ao ler numa página do portal UOL que o time Boa estava considerando contratar Bruno caso ele fosse inocentado. É preciso muita coragem para contratar um autor de um crime tão hediondo, com características de psicopatia. Mas o pior é que a matéria sequer mencionava os crimes dele, e, na lateral direita da tela, apareciam fotos de uma sessão chamada Belas da Torcida. Eram fotos de partes do corpo feminino, nunca aparecia uma moça inteira: seios num decote ousado, bunda com um fio dental...

Partes do corpo feminino adornando uma matéria sobre um feminicida que mandou esquartejar o corpo da mãe de um filho seu. Talvez isso explique porque em nenhum momento o texto condenou ou questionou o interesse do Boa em contratá-lo. Talvez, inconscientemente, esquartejar mulheres já faça parte de vários processos simbólicos de nossa sociedade.

No final do ano passado, foi banida do Facebook uma foto que mostrava o corpo de uma mulher cortado ao meio. A proposta da postagem original numa revista australiana era perguntar aos leitores da revista (homens) qual a parte preferida. Lendo os comentários, é fácil perceber o quanto a publicação de tal conteúdo valida o discurso misógino do público.

Todos esses exemplos estabelecem uma relação cultural muito grave. O corpo feminino é tão objetizado, que retalhá-lo em várias partes, seja simbólica ou literalmente, não rende uma sanção social. Mesmo sofrendo um julgamento legal, Bruno ainda contou com o apoio de homens que o admiravam como jogador de futebol. É como se homens tivessem o direito de dispor do corpo feminino da forma que lhes convêm, e, caso a mulher engravide após ele ter transado com ela sem preservativo, ele se acha no direito de destruí-la para não assumir as consequências financeiras de seus atos.

Nosso sistema jurídico não discute a possibilidade do criminoso ser psicopata e ainda permite que um homicida deixe a cadeia após ter cumprido apenas um terço da pena. Não existe nenhum tipo de agravante para feminicídios, embora aconteçam diariamente no país cerca de doze crimes do tipo. Assim, nossa sociedade segue validando de forma velada a constante destruição do feminino, ignorando diariamente a necessidade de criminalizar a discriminação por gênero e de tipificar o feminicídio. 

Postagem original em: http://pattykirsche.blogspot.com/2013/03/feminicidio-crime-comum.html

sexta-feira, 8 de março de 2013

Após Lei Maria da Penha, denúncias de violência contra a mulher sobem 600% em 6 anos

Sexta, 08 de março de 2013


unisinos.

Desde a promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, o número de agressões contra mulheres relatadas ao governo federal por meio do serviço Ligue 180 cresceu 600%. A maioria dos casos descritos (57%) envolve agressões físicas.

A reportagem é de Luis Kawaguti e publicada pela BBC Brasil, 08-03-2013.

Segundo dados da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, o serviço de atendimento telefônico que oferece orientações para as mulheres vítimas de violência fechou o ano de 2012 com 88.685 relatos de agressão – contra 12.664 há seis anos.

Segundo a pasta, a elevação no número de relatos não significa necessariamente um crescimento real dos casos de violência, mas um aumento das notificações – na medida em que mais mulheres estariam se sentindo seguras para procurar ajuda.

"Acho que a população já está mais ciente de que existe uma lei para proteger as mulheres da violência doméstica", afirmou à BBC Brasil a farmacêutica Maria da Penha Fernandes, que ficou paraplégica ao ser baleada pelo marido e deu nome à lei que endureceu as punições para quem comete violência contra a mulher, mesmo em ambiente familiar.

O Ligue 180 é um serviço gratuito focado na orientação das mulheres vítimas de abusos e seu encaminhamento para órgãos da polícia, da Justiça e demais serviços de enfrentamento da violência contra a mulher, como centros especializados e casas abrigo.

Em primeiro lugar no ranking das agressões relatadas ao serviço em 2012 está a violência física contra a mulher, com 50.236 casos – o que representa elevação de 433% em relação ao ano de 2006. Logo abaixo no ranking vêm a violência psicológica (24.477 casos) e a violência moral (10.372). Os abusos sexuais representam, por sua vez, 2% dos casos, com 1.686 relatos.

"A lei Maria da Penha, depois de seis anos, começa a dar resultados. Eu acho que nós estamos vencendo, mas falta muito. Falta a consolidação de uma rede (de proteção à mulher) e falta a mudança de mentalidade (de que os homens não têm direito de agredir as mulheres)", afirmou à BBC Brasil a ministra da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, Eleonora Menicucci.

"O aumento da denúncia significa que as mulheres estão acreditando mais nas políticas públicas e nos serviços de acolhimento. Estão acreditando que a impunidade do agressor está chegando ao fim", disse.

O número de relatos de violência ao Ligue 180 é hoje uma das únicas formas para se tentar dimensionar o número de agressões a mulheres nacionalmente – pois não há uma contagem oficial e integrada de casos na área da segurança pública. Essa é uma das principais críticas feitas pela ONU ao Brasil na questão da violência contra a mulher.

Lei só para as capitais

De acordo com Maria da Penha, a lei que levou seu nome mudou a realidade das mulheres vítimas de violência no Brasil, na medida em que facilitou a punição de seus agressores. Porém, segundo ela, a lei não funciona satisfatoriamente na maioria das cidades do interior do país. "A gente infelizmente só tem encontrado a boa aplicação da lei nos grandes municípios, que geralmente são as capitais", afirmou.

A principal crítica da mulher que se tornou a face do combate à violência contra a mulher no país é a falta de iniciativa de governantes para investir em instrumentos de combate aos abusos nas cidades pequenas do país. A ministra Menicucci afirmou que além de investir no Ligue 180, um dos  principais focos de sua pasta é implementar a Lei Maria da Penha efetivamente em todas as regiões do país.Segundo ela, o governo federal tem enviado verbas aos governos estaduais com esse objetivo. Os repasses de recursos entre 2006 e 2011 chegaram a quase R$ 180 milhões. No ano passado, somaram R$ 40 milhões.

Ela disse ainda que são estabelecidas parcerias com municípios, Estados e órgãos do Judiciário para a estruturação de uma rede de proteção à mulher.

De acordo com a ministra, no últimos dez anos o número de delegacias da mulher no país subiu de 248 para 503. Os centros especializados de atendimento passaram de 36 para 223 e as casas abrigo de 43 para 72. "É muito pouco, mas é reflexo da Lei Maria da Penha", disse.

Medidas judiciais

Atualmente estão em funcionamento pelo sistema judiciário do país 93 varas, 29 promotorias e 59 defensorias públicas especializadas em combater a violência contra a mulher.

Mesmo assim, segundo a ministra, uma das falhas da rede de proteção às mulheres vítimas de violência ocorre na hora dos juízes determinarem medidas para proteger as vítimas. Segundo Menicucci, depois que uma mulher agredida procura a polícia, o delegado pode pedir à Justiça que imponha ao agressor uma série de normas e regras que o impedem de se reaproximar da vítima.

Porém, embora muitos juízes determinem tais medidas quase imediatamente, outros demoram para tomar uma decisão. "Às vezes eles demoram mais de um mês, exigindo atestado psicológico, atestado de saúde mental, laudos, o que não é necessário, é mais para atrasar", disse.

Ela afirmou que o governo federal já estaria agindo para acelerar a concessão dessas medidas pelo Judiciário.

SUS recebe duas mulheres por hora vítimas de abuso

unisinos


O SUS (Sistema Único de Saúde) recebeu em seus hospitais e clínicas uma média duas mulheres por hora com sinais de violência sexual em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde.

A reportagem é de Luis Kawaguti e publicada pela BBC Brasil, 08-03-2013.

A constatação ocorre no momento em que a comunidade internacional discute na ONU a violência contra a mulher. O debate ocorre sob um clima de comoção após brutais estupros coletivos de jovens na Índia e na África do Sul desencadearem ondas de revolta social.

No Brasil, segundo o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) do Ministério da Saúde, um total de 18.007 mulheres deram entrada no sistema público de saúde em 2012 apresentando indícios de terem sofrido violência sexual. A maioria delas (cerca de 75%), de acordo com a pasta, eram crianças, adolescentes e idosas. O sistema Viva começou a ser implantado em 2006 em algumas unidades de referência do SUS. Em 2011, a notificação de casos suspeitos passou a ser universalizada para todas as unidades.

No ano passado, as estatísticas foram fornecidas por 8.425 unidades do SUS. Essas estatísticas funcionam apenas como um indicador, pois não englobam casos de violência nos quais a mulher não procurou atendimento médico ou se dirigiu a uma unidade de saúde privada.

A falta de estatísticas integradas sobre abusos sexuais na esfera da segurança pública é uma das principais críticas da ONU ao Brasil na questão do combate à violência contra a mulher. "Não há dados oficiais disponíveis sobre o número de estupros de mulheres no Brasil", afirmou à BBC Brasil Rebeca Reichmann Tavares, diretora regional para o Brasil e Cone Sul da ONU Mulheres (Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres).

"Algumas secretarias de segurança tomam a iniciativa de fazer este levantamento, assim como alguns hospitais, mas não existe uma unificação ou cruzamento de dados", disse.

Estupro

Um dos fatores que coloca o governo brasileiro em alerta é que na maioria dos casos de violência sexual o criminoso é uma pessoa próxima à vítima.

"O agressor não é desconhecido em 60% ou 65% dos casos. Ele é conhecido, é o padrasto, o pai, o namorado, o amante, o vizinho o avô. Isso nos preocupa muito", disse à BBC Brasil a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

Segundo ela, a lei possibilita o atendimento das vítimas em um sistema de saúde especializado e permite que uma eventual gravidez seja interrompida, de acordo com a vontade da mulher. "Estamos readequando esse serviço. Agora o estupro também acontece na rua, mas ele acontece dentro de casa na maioria dos casos", disse a ministra. "Incentivamos muito a mulher a denunciar." Segundo dados da secretaria, o número de relatos de abuso sexual contra mulheres pelo serviço Ligue 180 passou de 320 em 2006 para 1.686 em 2012.

Dilma Rousseff

A comunidade internacional discute a situação das mulheres no mundo na Comissão sobre o Status da Mulher, que acontece nesta semana e na próxima na sede da ONU em Nova York. Um dos objetivos do evento, segundo afirmou nesta semana a diretora da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, é que os governos apresentem estratégias para reduzir a violência de gênero no mundo.

Tavares, a representante brasileira do órgão, elogiou a Lei Maria da Penha – que desde 2006 endureceu as punições para quem pratica violência contra a mulher. Porém, disse que para a ONU a violência contra a mulher no Brasil "chega a níveis alarmantes". "Com a Lei Maria da Penha, o governo brasileiro deu um importante passo, mas o sistema de Justiça brasileiro reconhece de forma irregular a gravidade da violência doméstica e familiar", disse.

"Por isso precisamos trabalhar continuamente para conscientizar a sociedade sobre a importância de erradicar a violência contra as mulheres", afirmou. Ela também apontou pontos positivos da política do governo Dilma Rousseff em relação ao tema da mulher.

Na área política, a representante da ONU Mulheres elogiou a nomeação de mulheres para altos cargos do governo, entre eles dez ministérios. "A presidenta e as ministras tornam-se modelos a seguir, representando exemplos reais de que é possível ter uma participação política legítima (da mulher) na sociedade brasileira", disse Tavares.

No campo diplomático, ela citou os esforços de Dilma para realizar a "Cúpula de Mulheres Chefes de Estado pelo Futuro que as Mulheres Querem", durante a Rio +20 e do governo brasileiro para ratificar a Convenção sobre o Trabalho Decente para as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos.

A diplomata elogiou ainda o trabalho do Ligue 180 e as campanhas do governo federal junto aos órgãos do judiciário para a implantação da Lei Maria da Penha.

A farmacêutica Maria da Penha Fernandes, que ficou paraplégica ao ser baleada pelo marido e emprestou seu nome à lei, também elogiou o governo Dilma. "A Dilma tem apoiado as ações das instituições que desenvolvem projetos a esse respeito e as parcerias com entidades internacionais. Tem colocado verbas para determinadas pesquisas para dar um basta a essa violência", disse.

Maria da Penha afirmou, porém, que a implementação total da lei depende de gestores estaduais. Segundo ela, a erradicação da violência contra a mulher no período de um governo "é uma utopia".

Mídia é cúmplice da violência contra mulheres na América Latina

Por Vanessa Silva, no Portal Vermelho 8 de Março de 2013 - 8h27

Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, a “marca do colonialismo continua vulnerabilizando as mulheres negras e indígenas. A heteronormatividade continua oprimindo as lésbicas e mulheres transexuais. Temos muitas razões para continuar lutando”, não só “no 8 de março, mas todos os dias”. No dia internacional da mulher, as latino-americanas ainda têm muito para lutar e conquistar. Esta é a avaliação da psicóloga mexicana Jimena de Garay Hernández.

De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as mulheres seguem sendo vítima das mais diversas formas de violência em toda a América Latina

A ativista feminista e militante do movimento LGBT estuda o papel que os meios de comunicação exercem na construção de estereótipos, na legitimação da violência e do sexismo (atitude discriminatória para com o sexo oposto). Em conjunto com a pesquisadora Paola Bonavitta, desenvolveram um trabalho analisando estas questões nos veículos argentinos e mexicanos.

A conclusão a que chegaram é que os chamados Meios de Comunicação de Massa (MCM) são formadores de ideologia, definem desejos, interesses e aspirações e representações. Assim, as imagens estereotipadas das mulheres “reforçam a violência de gênero contra meninas e mulheres”. Esta violência é uma forma utilizada “pelos homens para manter o poder e os privilégios”, sendo admitida por uma série de convenções sociais, ou seja, é uma postura socialmente admitida.

Outra observação interessante a respeito deste trabalho é que apesar das diferenças socioculturais entre Argentina e México, as pesquisadoras não observaram grandes diferenças na representação da mulher nestes meios. O estereótipo é o mesmo. A violência se torna visível na exigência da perfeição, na justificativa da violência que os homens exercem sobre elas, gerando assim uma “insatisfação constante por não poder alcançar os objetivos difundidos pelos meios de comunicação”.

Apesar de ser considerado o “quarto poder”, os meios de comunicação estão sendo cúmplices e atores importantes na perpetuação desses pensamentos. “Não estão propiciando uma sociedade mais democrática e tolerante e sim gerando novas formas de violência, mais sutis, mais modernas. (…) são atrizes e atores diferentes, produtos diferentes, concepções diferentes, mas continuam o controle e a hierarquização social. Continuam as mesmas garras: o patriarcado, o androcentrismo, o sexismo, o capitalismo, o etnocentrismo”. Veja mais sobre a pesquisa aqui.

Jimena vive no Rio de Janeiro há dois anos. Veio para o Brasil porque achou “interessante o debate que acontece aqui entre movimentos sociais e a academia nas temáticas de gênero e sexualidade”. Confira a entrevista concedida, por e-mail para o Portal Vermelho:

Portal Vermelho: Em seu trabalho, vocês abordam a questão da violência de gênero nos veículos argentinos e mexicanos. Qual é a conclusão a que vocês chegaram com este levantamento?
Jimena de Garay Hernández: A partir de uma análise dos veículos da Argentina e do México, eu e minha colega Paola Bonavitta concluímos que a mídia em ambos os países desempenha um papel importantíssimo de perpetuação dos valores hegemônicos, que se baseiam no patriarcalismo, o androcentrismo, o machismo, o capitalismo, o colonialismo, o racismo e a heteronormatividade. Ao produzir e reproduzir formas “ideais” de ser e estar no mundo, com diferenças muito demarcadas entre homens e mulheres e a inquestionável superioridade dos primeiros, a mídia propícia uma discriminação para quem não se adéqua a essas formas, gerando, reforçando e naturalizando diferentes tipos de violência.

Os meios de comunicação têm um papel importante na definição dos papéis sociais e, consequentemente, de gênero. Até que ponto esta afirmação é verdadeira e como os meios impactam nas relações cotidianas neste aspecto?
Como disse anteriormente, os meios de fato têm um papel importante nesse processo, constituindo-se como um referencial muito presente na vida cotidiana de grande parte da população. Com isso não queremos dizer que eles sejam completamente responsáveis pela violência contra as mulheres, pois os seres humanos, apesar da alienação que marca a nossa sociedade, temos sido capazes através da história de produzir manifestações de resistência ao que nos é imposto. Assim, é possível ver uma postura crítica de alguns coletivos e uma pluralidade de discursos fora da mídia hegemônica (e algumas mínimas tentativas dentro dela) que desmistificam o binômio no qual nós mulheres somos constantemente colocadas: malvada/boazinha, esposa/vadia, santa/puta, etc., questões que também se veem atravessadas pela discriminação de raça e de classe social.

Sua pesquisa é sobre México e Argentina, mas e quanto ao Brasil? Como vê a exposição da mulher na mídia brasileira?
Eu vivo no Rio de Janeiro há dois anos e com essa experiência poderia dizer que acontece um processo bastante similar. As novelas, os programas de entrevistas, as propagandas de cerveja e outras muitas expressões da mídia hegemônica apresentam a mulher ora como donzela indefesa, ora como esposa perfeita e responsável por todas as tarefas domésticas, ora como compradora compulsiva, ora como objeto sexual. Esse último ponto talvez seja o que mais chamou a minha atenção neste contexto, pois ainda que no México e na Argentina também exista uma exaltação de certo corpo e certa sexualidade da mulher na mídia, tenho a impressão de que aqui essa exaltação é maior. Com isso não quero dizer que a nossa sexualidade deva ser escondida e limitada, mas que ela não pode ser apresentada em função das necessidades do homem (como produtor, como diretor, como consumidor) e nem restrita a um estereótipo. Outra coisa que chamou a minha atenção aqui é o acelerado crescimento dos meios liderados por evangélicos, o que também tem suas implicações ao se tratar dos direitos, corpos e estereótipos das mulheres.

Houve um avanço considerável das conquistas femininas nas últimas décadas. Os meios de comunicação acompanharam este avanço ou o discurso predominante ainda é machista?
Na sua maioria, eles continuam sendo extremamente machistas. As críticas, lutas e conquistas feministas ainda não chegaram com a intensidade apropriada nas telas, pois elas não são convenientes para os donos dos meios, que se baseiam nos estereótipos para manter certa ordem social, onde o homem branco heterossexual e proprietário continua no cume.

Na América Latina como um todo, como vê a questão da mulher? Que avanços observa e pelo que as mulheres ainda precisam lutar neste 8 de março?
Existem alguns avanços, como a presença das mulheres em alguns cargos políticos (inclusive de presidência) nos nossos contextos, algumas legislações que procuram frear a violência contra as mulheres, um investimento por parte do sistema de educação (sobretudo superior) em pôr fim a essa desigualdade, dentre outros. No entanto, infelizmente, a situação das mulheres latino-americanas ainda é precária. A violência contra nós cresce tanto no sentido da crueldade quanto na sutileza dos seus modos. O aborto ainda não é legalizado na maioria dos países, limitando a autonomia dos nossos corpos. A marca do colonialismo continua vulnerabilizando as mulheres negras e indígenas. A heteronormatividade continua oprimindo as lésbicas e mulheres transexuais. Temos muitas razões para continuar lutando, visibilizando o fato de que o feminismo não está nem perto de ser desnecessário, e que sua articulação com todos os movimentos relacionados com os direitos humanos é precisa para transformar os nossos países, a nossa região e o mundo inteiro. E essa luta acontece no dia 8 de março, mas também todos os dias desde nossos coletivos, movimentos, organizações, universidades, famílias, escolas e meios de comunicação propositivos.
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